Para quem ainda não sabe como o Galo fez esta virada que levou ao vice campeonato brasileiro, segue abaixo reportagem publicada no Globoesporte.com.
De clube sem crédito no mercado, com mais de mil cheques pré-datados e
sem fundos espalhados por Belo Horizonte, a nova casa da estrela
Ronaldinho Gaúcho. Dono de uma dívida de quase R$ 310 milhões, mas com
dinheiro para tirar o goleiro Victor do Grêmio. Que milagre financeiro é
este que acontece no Atlético-MG? É o que se perguntam pessoas que
conhecem a história do clube. Muitas se assustaram com o rápido
ressurgimento atleticano.
O staff vip do Atlético-MG (Foto: Maurício Paulucci / Globoesporte.com)
À frente, o presidente Alexandre Kalil.
É dele a palavra final, a assinatura em cheques, o trabalho de colocar a
cara a tapa, como definem os fiéis escudeiros do dirigente. Os
escudeiros são um grupo de torcedores que trabalha nos bastidores.
Remunerados ou não, estão praticamente todos os dias junto ao
presidente, deliberando em prol do Atlético-MG.
Alguns são mais conhecidos, como o vice-presidente Daniel Nepomuceno, a
diretora-executiva Adriana Branco e o diretor de futebol Eduardo Maluf.
Além deles, trabalham para o Atlético-MG outros seis abnegados, cujo
único objetivo é recolocar o clube na prateleira de cima do futebol
nacional, na disputa de títulos e competições de expressão.
O GLOBOESPORTE.COM reuniu os homens-fortes da retaguarda atleticana
para uma conversa reveladora, para que pudessem explicar como ocorreu o
‘pulo do gato’ que recolocou o Atlético-MG na vitrine, depois de anos
como motivo de críticas, de menosprezo. Tudo começou no fim de 2008.
Eleito presidente, Alexandre Kalil montou um grupo com pessoas que já
circularam pelos bastidores do clube em outras gestões, casos de Adriana
Branco, do assessor Sérgio Sette Câmara, que já foi vice-presidente, e
do também assessor Luis César Vilamarim, engenheiro e primo de Kalil,
que participou da reformulação da Cidade do Galo, que, na década de
1990, tinha apenas um campo e um acanhado vestiário e, em 2010, foi eleito o melhor do país.
Eduardo Maluf é quem manda no futebol do Galo
(Foto: Marco Antônio Astoni / Globoesporte.com)
(Foto: Marco Antônio Astoni / Globoesporte.com)
Convidou também o advogado e professor de direito tributário Rodolfo
Gropen, um torcedor apaixonado pelo Galo e que, na época da eleição de
2008, formulou um projeto tributário e ofereceu aos dois candidatos que
disputavam o posto. Kalil venceu e, pouco mais de dois meses depois,
chamou Gropen para assumir a função de diretor de gestão do clube.
E Gropen convidou outros atleticanos para trabalhar com ele. Todos
“remunerados pela paixão”, como ele mesmo definiu: os também advogados
Lásaro Cândido, hoje diretor jurídico, e João Avelar, atual assessor
jurídico. Pouco tempo depois, o grupo ganhou mais um integrante: Carlos
Fabel, administrador de empresas e contabilista, com 33 anos de
experiência no mercado financeiro, que trabalhou em seis bancos antes de
aceitar o convite de ajudar o clube para o qual torce. Ele, Adriana
Branco e Eduardo Maluf são os únicos integrantes remunerados deste
“staff vip”, que participa das decisões mais importantes do clube nestes
últimos quatro anos, inclusive contratações. E que se comprometeram em
nunca revelar os assuntos discutidos na sala da presidência.
- Um dos segredos da administração do Kalil é que nunca vazou nada,
destaca Rodolfo Gropen, que acompanhou o presidente na viagem a Porto
Alegre, onde fecharam o negócio com Ronaldinho Gaúcho. Nem para os
filhos atleticanos ele contou.
- As pessoas na academia me perguntam, já rindo: “E, aí, Sérgio? Quem
vem?” Elas sabem que eu não falo nada. O segredo não é a alma do
negócio? Pois é assim que aqui acontece agora, define Sérgio Sette
Câmara, que tem história no Atlético-MG. Entre idas e vindas, participa
da vida do clube desde 1999. Pode falar, “de carteirinha”, de erros
cometidos no passado, em outras gestões. Sem citar nomes, lembra de
histórias que fizeram o nome do clube ficar “queimado” no mercado.
Sede do Atlético-MG chegou a ser penhorada
(Foto: Reprodução / TV Globo Minas)
(Foto: Reprodução / TV Globo Minas)
- A forma amadora com que o Atlético-MG era conduzido não é novidade.
Na minha época, como vice-presidente, fizemos um levantamento
patrimonial e descobrimos imóveis que ninguém sabia que existiam. E o
que mudou? Falo com toda sinceridade: o Alexandre assumiu e se cercou de
pessoas dedicadas. Trouxe o Maluf, que é um cara extremamente
competente para cuidar de futebol. E trouxe o Rodolfo, um sustentáculo
muito grande na escolha das outras pessoas. Aí veio o Lásaro, o Luis
César, que sempre foi um cara muito presente, pau para toda obra,
comenta Sette Câmara.
As histórias contadas por estas pessoas podem virar um manual de
autoajuda para clubes endividados e com o “filme queimado” no mercado,
como foi o Atlético-MG por muitos anos. Um clube que chegou a ficar cerca de dois meses sem presidente,
na época da renúncia de Ziza Valadares. Que já atrasou salários por
três meses seguidos e fazia contratos únicos para jogadores, o que
significava que a multa rescisória dos atacantes Marques e Guilherme era
a mesma que de atletas de menor expressão. Que triplicou o orçamento
nos últimos anos, de R$ 60 milhões, em 2008, para R$ 180 milhões, que é o montante previsto para 2013.
De uma coisa, no entanto, todos fazem questão. Mesmo cientes que
herdaram um clube com muitos problemas, o “staff vip” atleticano não
aponta culpados, não destaca erros em administrações anteriores. Por
ordem expressa do presidente, o trabalho é olhar para frente.
- O grande desafio foi esse: criar um muro, deixar para trás o que
passou e estabelecer um novo conceito empresarial, explica o diretor
financeiro Carlos Fabel.
- E não teve milagre. O Atlético-MG estava chegando ao fim. O Alexandre
deu um murro na mesa, de basta, se cercou de gente que resolveu se doar
para ajudar o Atlético-MG. Não existia isso no retrospecto do clube.
Saímos do caos e hoje temos controle, destaca o diretor jurídico Lásaro
Cândido.
- O Atlético-MG tem sido mal administrado há 20 anos, com alguns
intervalos de suspiro. Se você plantar esse trabalho para os próximos 20
anos, o problema estará resolvido. Você tem que ter um grupo que pensa
igual. É assim hoje. Por isso está funcionando, avalia o assessor
jurídico João Avellar.
O começo de tudo
O ano era 2009. O primeiro da gestão Alexandre Kalil. Na época, estava
em pauta a renovação do contrato master de patrocínio da camisa. O clube
recebeu R$ 3 milhões em 2008, e o presidente pediu R$ 9 milhões para o
ano seguinte. A empresa, fabricante de automóveis, que estampava o nome,
não aceitou aumentar. Kalil não aceitou receber menos, queria valorizar
o nome do clube. E o Galo jogou a temporada inteira sem patrocinador.
Deu certo. Em 2010, com a chegada de novos parceiros, foi para os R$ 9 milhões que o presidente queria.
Carlos Fabel, Rodolfo Gropen e Lásaro Cândido (Foto: Maurício Paulucci / Globoesporte.com)
Está aí a explicação para o “surgimento” do dinheiro do Atlético-MG:
valorização da marca. Os contratos foram melhorados, como também o
dinheiro repassado pelo Clube dos 13. Mas não foi fácil ficar uma
temporada sem patrocínio. As consequências perduraram por dois anos.
- Foram dois anos que sofremos demais, lembra Gropen.
- As receitas caíram, o pay-per-view também. Ficamos sem estádio em
Belo Horizonte e tivemos de fazer jogos na Arena do Jacaré a R$ 5, R$ 3,
R$ 2. Hoje, você põe ingresso a R$ 300 e vende, destaca Sérgio Sette
Câmara.
- Mostramos a todos essa nova postura. Queira ou não, o Atlético-MG já
teve três meses de salários vencidos, poderia perder passe de jogadores.
Houve um choque de gestão: enxuga tudo, zera tudo, vamos correr contra o
tempo. O dinheiro que tinha era para colocar a folha em dia, lembra
Luis César Vilamarim.
- No ano que ficamos sem patrocínio, vieram várias empresas, mas para
pagar valores baixos ou por determinados jogos. O Kalil não aceitou,
conta Fabel.
- Porque se você aceita isso, posteriormente, não consegue fazer um bom
contrato. Se você está com anúncio de uma bala na camisa pagando R$ 5
mil, no ano seguinte não consegue convencer uma empresa a pagar R$ 50
mil, complementa Vilamarim.
- Essa história de valorizar a marca foi muito importante. Em 2008, a
receita do Atlético-MG era de R$ 57 milhões. Neste ano, vamos fechar com
aproximadamente R$ 133 milhões, contabiliza Fabel.
BMG
Assim como quase 30 times do futebol brasileiro, o Atlético-MG carrega a
marca do BMG estampada no uniforme. A ligação com o banco é antiga, já
que Ricardo Guimarães, presidente da instituição, já foi o principal
mandatário alvinegro. Torcedor atleticano, colocou dinheiro do próprio
bolso no clube. Os valores não são revelados.
- A primeira grande demanda que o Alexandre me passou foi organizar
essa dívida com o Ricardo Guimarães. É uma dívida com ele, e não com o
banco. O BMG faz no Atlético-MG o que faz em todos os clubes que
patrocina: tem alguns investimentos. O conselho fez uma auditoria e
apurou o valor que o clube deve ao Ricardo, que emprestava como pessoa
jurídica. Hoje, temos um contrato em que o Galo paga uma mensalidade ao
Ricardo para quitar essa dívida, informa Gropen.
Dívidas
Os números são assustadores. O clube já teve a taça de campeão
brasileiro de 1971 e a sede administrativa penhoradas como garantia de
pagamento de dívidas. Pagou mais de R$ 80 milhões, mas ainda falta
muito. Muito mesmo. O diretor financeiro do clube, Carlos Fabel,
confirma que a dívida ultrapassa os R$ 310 milhões.
Sérgio Sette Câmara, João Avelar e Luiz César Vilamarim
(Foto: Maurício Paulucci / Globoesporte.com)
São aproximadamente R$ 60 milhões de dívidas bancárias, mais R$ 145
milhões herdados da Timemania (loteria criada em 2007 cujo objetivo é
arrecadar dinheiro na forma de apostas em partidas de futebol para
liquidar a dívida dos times brasileiros), mais R$ 6 milhões do Refis
(que um é programa de recuperação fiscal para parcelamento de débitos
fiscais). Além disso, o clube ainda deve R$ 94 milhões ao ex-presidente
Ricardo Guimarães e R$ 5 milhões de passivo trabalhista.
Dívidas que têm sido equacionadas em parcelas mensais: R$ 800 mil vão
para Timemania, Refis e Ricardo Guimarães. São feitos depósitos mensais
no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de R$ 700 mil para o passivo
trabalhista. E a dívida bancária, de acordo com Fabel, ‘é equacionada
com recebíveis futuros’.
- Temos um débito bancário de, aproximadamente, R$ 60 milhões, todo
calçado com recebível. Não existe dívida não-liquidável, não existe bola
de neve. Toda dívida que é administrável, desde que se recupere o
crédito. E foi o que fizemos.
Cidade do Galo é um dos melhores CT's do Brasil (Foto: Divulgação)
- Teve muita conversa, muita presença do presidente, colocando a cara,
chamando credores, um por um: “Vem cá, estou te devendo”. Tinha um mar
de cheques pré-datados, mais de mil espalhados pela cidade. E sem
fundos! Kalil recolheu, sustou todos e chamou os credores para negociar
as dívidas, conta Vilamarim.
- Eram fornecedores de gêneros alimentícios, ações cíveis que o clube
fez acordo e não pagou. Usamos as receitas de televisão para pagar,
destaca Fabel.
Mais de R$ 80 milhões de dívidas do passado já foram pagos. O grupo de
retaguarda garante que está tudo organizado, sendo renegociado.
Impossível determinar um prazo para que não haja mais credores.
Calcula-se que, até o fim de 2013, o clube encerre o passivo
trabalhista.
- Quando cheguei, tinha R$ 27 milhões, além de outras ações que estavam
rodando no TRT e que não estavam definidas. Esse montante virou R$ 45
milhões, de ações que estavam para ser julgadas de gestões anteriores. E
destes R$ 45 milhões, já pagamos R$ 40 milhões.
Por mais incrível que possa parecer, apesar do valor astronômico que
ultrapassa os R$ 310 milhões, a situação do Atlético-MG é definida como
tranquila pelos homens-fortes de Alexandre Kalil.
- Nenhum clube tem um shopping que vale R$ 1 bilhão e que, daqui a 14
anos, será do Atlético-MG. O importante é saber que o Atlético-MG dá
lucro. A diferença entre a receita e a despesa é positiva. Está
projetado um lucro de R$ 50 milhões para o ano que vem, contabiliza
Fabel.
Pulo do gato
A mudança interna é chamada pelos homens-fortes do Atlético-MG de
“choque de gestão”. E ocorreu de 2008 para 2009. O trabalho no início da
gestão Kalil foi pesado. O orçamento do clube era praticamente a metade
do Cruzeiro, o principal rival. Carlos Fabel, contratado para
administrar a parte financeira do Atlético-MG, se assustou quando
assumiu a função.
- Quando cheguei, achei que ficaria três dias. Fiquei três meses...três
anos! Me assustei, porque vim do mercado financeiro, onde as coisas são
bem estruturadas. E o Atlético-MG tinha dívida, falta de crédito.
Quando cheguei, eram 180 protestos no Serasa, 254 ações executivas no
Fórum. Encontramos conta de Correio e Copasa atrasada, acordo com o
Ministério do Trabalho rompido. O Atlético-MG não tinha crédito para
comprar gênero alimentício. A primeira coisa que fizemos foi parar de
atrasar, lembra Fabel.
- Tínhamos um problema sério: o clube fazia acordo na Justiça do Trabalho e não pagava, conta Sérgio Sette Câmara.
Cerca de 200 funcionários foram mandados embora.
- Existia muito cargo. Não adianta você mandar embora um cara que ganha
um salário mínimo. Você enxuga área que tinha diretorias, cargos. Gente
que era diretor internacional, e o cara ficava viajando pelo mundo sem
gerar resultado, lembra Luis César Vilamarim.
- A máquina trabalhava com déficit muito grande. O Kalil fez esse
enxugamento para diminuir esse déficit mensal que tinha, explica Fabel.
Os clubes campestres, Labareda e Vila Olímpica, eram deficitários e
estavam sucateados. Fabel lembra que chegaram a dar R$ 100 mil de
prejuízo. Foram modernizados e hoje contam com seis mil sócios. Passaram
a dar receita e geram R$ 7 milhões por ano. Superávit que é investido
nos dois clubes.
Barcelona
Barcelona é exemplo para o Atlético-MG
(Foto: Agência Reuters)
(Foto: Agência Reuters)
Todos são unânimes em afirmar que o trabalho, árduo e dispendioso, é
gratificante, mas que falta algo para premiar tanta dedicação: um
título. Foi como definiu o diretor financeiro, Carlos Fabel.
- Não adianta estar tudo organizado aqui dentro, pagar todo mundo em
dia, sem títulos. Nos últimos anos, o Atlético-MG tem recuperado muita
torcida. Isso não tem preço. Mas precisa de um título. Até como um
prêmio para a gente que trabalhou, que se dedicou tanto. Só nós sabemos
como nos dedicamos.
- Têm aqueles que reclamam do vento, aqueles que esperam o vento passar
e os que ajustam as velas de acordo com a mudança do vento, para
aproveitá-lo. O grupo que o Alexandre formou não reclama e nem espera o
vento mudar de curso. É um grupo que ajusta as velas a cada vento para
caminhar, define João Avelar.
- Consigo imaginar o Atlético-MG igual ao Barcelona. Não consigo pensar
diferente. Enquanto isso não acontecer, não vou estar satisfeito. E
isso é trabalho para mais de dez anos, complementa Avelar.
Serviço nos bastidores sendo feito, agora é a vez dos jogadores em campo.
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